#2 Findhorn
Um dos meus domingos em uma comunidade no norte da Escócia, onde cheguei para passar uma semana e estou há 3 meses*.
*Essa carta foi escrita no começo de outubro para tentar responder à pergunta que me faziam de "onde é esse lugar", só senti de enviar agora. Já deixei Findhorn, mas ainda vou contar uma série de histórias de lá :)
Findhorn, 1° de outubro de 2023.
Namastê!
O sol está brilhando e me chama pra sair. O tempo aqui é imprevisível, o céu acorda cinza e úmido, perfeito para ficar no quarto e escrever, mas daí tudo muda e ficar no computador parece um desperdício frente ao dia lindo que se mostra na janela.
Insistindo no planejado, já que hoje é 1º de outubro, continuo aqui. O primeiro dia do mês sempre me convida a começar projetos (ou recomeçar). Desde que cheguei na Escócia, há três meses, penso em registrar em palavras minhas experiências, sempre adiei, o dia sempre me chamou pra fora e eu sempre aceitei o convite, mas não hoje - por agora.
Agora são 13h30, às 16 horas, vai ter a benção do novo santuário de meditação aqui da comunidade de Findhorn - o antigo foi incendiado há dois anos. De manhã, às 9h30, foi o Taize no Singing Chamber, depois teve uma parada no Phoenix Café para conversas e um scone de queijo com chá, leite vegetal e especiarias, o Turmeric, bebida da casa, onde o cardápio é todo vegetariano e eu leio as edições da Rainbow Bridge, revista semanal da comunidade. No começo da noite, tem a meditação do anjo do mês. Depois, às 19 horas, Sufi Chanting no Nature Sanctuary, às vezes, tem Ecstatic Dance, Open Floor ou 5Rhythms no Universal Hall, e ontem teve Soul Singing no Mantra Lounge e Sacred Dance no Green Dance.
A programação aqui é assim, um monte de coisa que eu gosto de fazer, e faço, em lugares lindos e aberto a todos. O Taize merece um texto à parte, a comunidade vai e depois o dia começa. Costumo caminhar na praia depois, especialmente quando o tempo está brilhante como hoje, talvez eu ainda vá.
Desembarquei na Escócia no início de julho, vim via Inverness, a cidade do Lago Ness, para pegar o trem até Forres e depois o ônibus até o Caravan Park, a parada para a comunidade de Findhorn. O avião de Lisboa para Edimburgo atrasou 4 horas, sendo que duas delas esperamos fechados dentro da aeronave. Como já era meia-noite quando pousamos, passei a noite no aeroporto. Tem um Starbucks 24 horas, me acomodei em um mesa e esperei, mas não sozinha, uma galera fez o mesmo.
Às 6 horas da manhã, fui procurar o ônibus para o centro de Edimburgo, desci perto da rodoviária, comprei a passagem para Inverness, embarquei e cheguei para passar uma noite. Tudo isso carregando minha mochila de 70 litros nas costas e a de 10 litros na frente, o que delonga meu caminhar.
Reservei um B&B durante a viagem no ônibus, mandei mensagem para um, que estava lotado, mas me indicou outro, paguei um pouco mais do que esperava, mas valeu a pena. Foi perfeito para passar a tarde descansando na minha cama de casal com meu banheiro privativo - o que não aconteceu mais até agora - e depois dar um passeio na orla do rio. Antes de eu ir para estação pegar o trem para Forres, Elizabeth, a anfitriã do B&B, preparou pra mim um café da manhã típico escocês, com tomates assados, cogumelos, ovos, torradas e feijão (!).
Assim estou em Findhorn. Uma comunidade em um terra muito abençoada em natureza, com mar, rio, baía, floresta e até aurora boreal, as Northern Lights - tudo a um passo de distância, não preciso de carro aqui. Não vi as luzes coloridas ainda, é mais fácil no inverno, quando está mais escuro, mas elas brilharam no começo desse outono e eu perdi, estava no quarto, não imaginava que iam aparecer em setembro.
Cheguei no verão para ficar uma semana e já é outono. Estou seguindo o fluxo, como falo para as pessoas que me perguntam aqui por quanto tempo eu vou ficar, vou acreditando no tempo da Graça e me rendendo. Mas por que eu estou aqui? É uma pergunta que me fazem, ou "que lugar é esse que você está?".
Há 7 anos, conheci a dança circular sagrada em um curso de Comunicação para a Paz em São Paulo e desde lá quero visitar o lugar onde essas danças começaram a ser ensinadas: Findhorn. Antes, porém, já tinha ouvido falar da comunidade nos meus estudos de meio ambiente e sociedade, por aqui ser uma referência para ecovilas.
Vim para o festival de dança no ano passado e decidi que voltaria este ano. Voltei. Depois de uma semana, senti de ficar mais uma semana, depois mais uma, mais uma e estou há muitas semanas. Quando se conversa com as pessoas que moram aqui, as histórias são assim, vim para ficar uma semana, estou há 40 anos. Vim passar um verão, venho todos os verões há 20 anos. Os relatos similares confirmam que algo acontece aqui e não é explicável.
O que me atrai é a conexão de natureza e espiritualidade, em uma ecovila com uma diversidade de práticas espirituais e pessoas de diferentes nacionalidades coabitando. Os fundadores de Findhorn, no final dos anos 1960, chegaram aqui em uma caravan e Eileen Caddy começou a receber orientações divinas por meio de suas meditações, Dorothy MacLean ouvia chamados das árvores e devas, inteligências do mundo natural, e Peter Caddy, com uma atitude mais prática, começou a plantar em uma terra arenosa que brotou jardins e vegetais incríveis. Uma comunidade intencional, ecológica e espiritual começou a se formar a partir daí, atraindo pessoas de todo mundo e a história está muito resumida.

Findhorn também se tornou um centro de educação para a nova era, mas, após 50 anos de história, a fundação responsável por esses programas está fechando, um momento muito marcante para a comunidade, pois havia uma relação muito próxima com a fundação. É interessante estar aqui nessa transição e ver como as pessoas estão buscando coletivamente caminhos para a transformação. O Brexit, que limitou a presença de voluntários da União Europeia, a pandemia de Covid-19 que paralisou as atividades e visitas por dois anos e um incêndio que destruiu o centro comunitário e o santuário de meditação abalaram as estruturas por aqui. Essa história é contada no documentário Firebird, que eu vi a primeira exibição fechada para a comunidade em agosto. Essa série de eventos culminou em uma pausa da fundação para reflexão no início do outono sem previsão do que vai acontecer no futuro.
Toda a comunidade, inclusive fora daqui, ficou impactada com a notícia, pela primeira vez em 50 anos que a Fundação Findhorn não oferecerá seus programas e não receberá os estudantes buscadores que tiveram vidas transformadas com os ensinamentos de como viver Cocriando com a Natureza (Co-creation with Nature), ouvindo a Voz Interior (Inner Listening) e colocando Amor na Ação (Love in Action), os princípios de Findhorn. Eles têm feito reuniões comunitárias periodicamente e é um processo colaborativo muito interessante de acompanhar, ainda sem definição, mas buscando consenso para os próximos passos.
Agora, com a conclusão das atividades da fundação e o início da construção do novo santuário, começa um novo capítulo dessa história e estou aqui fazendo parte. Daqui 20 minutos começa a cerimônia, vou indo para lá, o céu está completamente azul agora.
Com amor,
Patricia ॐ