#3 Silêncio
Em busca do estado de silêncio interno, que às vezes é afetado pelo barulho externo, mas consciente de que o verdadeiro estado do Ser independe do ambiente.
Quando você pode suportar seu próprio silêncio, você está livre. (Mooji)
São Paulo, 22 de dezembro de 2023.
Namastê!
Tenho acordado às 5 da manhã. Naturalmente. O sol já nasceu e o dia está claro no Hemisfério Sul. Cheguei em São Paulo há cerca de duas semanas, mas não sinto jet lag após quase oito meses no Hemisfério Norte e suas 3 horas à frente. A rotina aqui, no entanto, é outra e, especialmente, o ambiente. Ao invés do silêncio dos lugares que estive, ou apenas o som do balanço das árvores com o vento, o ritmo das ondas no mar ou, ainda, o miado doce dos gatinhos, o som das minhas manhãs agora é o motor acelerado da motocicleta, a velocidade dos carros que passam sem parar, o zumbido de uma máquina funcionando, um alarme que dispara, um helicóptero que pousa, para ser justa, passarinhos. Sim, eles cantam na cidade.
Talvez por morar muitos anos no centro da cidade mais populosa da América Latina, aprendi a desligar da mente sons indesejáveis, mas não nego que foi um choque a mudança. Logo de cara, no aeroporto, as pessoas falando sem parar. Depois, no trajeto até em casa, a música no rádio do táxi, uma coletânea dos anos 90, um mix de Britney Spears, Spice Girls e Charlie Brown Junior. Das poucas palavras que trocamos, motorista e eu, o calor e, claro, o trânsito. De volta à confusão sonora, às small talks, ao caos.
Não é uma reclamação, estou feliz de estar aqui, porém é real que o silêncio me faz falta. Sei que sempre foi assim, desde que eu morei na avenida que recebia uma vez no ano a parada colorida com os caminhões de som tocando músicas no volume de tremer os móveis - eu protegia a sanidade do Ciro, meu finado gato, colocando ele dentro do guarda-roupa com algodão nas orelhinhas. Às vezes, eu não ficava em casa com ele nesse dia, ia passear em outra cidade; outras ficava e participava da festa, dançando no sofá, fazendo bolinhas de sabão na janela e acenando para os trios elétricos. Aquela era uma avenida com corredor de ônibus, fechado no dia da parada, mas nos dias normais, mesmo com as janelas trancadas, não ouvia o som da televisão.
É o preço de morar em um local que facilita a mobilidade em uma cidade tão grande. As escolhas que fazemos. Porém, até no parque, um dos meus oásis em meio à babilônia, fui levada a aprender o exercício de presença nas aulas de yoga, filtrando durante a meditação a música do pessoal da zumba, os gritos da galera do circuito, cachorros, crianças. Eu conseguia, ficava ali, presente na minha respiração, isolada em mim.
Apesar de entender que é assim que uma cidade como São Paulo funciona e que sempre há o lado bom e o ruim de uma metrópole, sinto que está expirando o prazo para viver em um local assim tão frenético. Eu realmente, apesar do exercício constante de silenciar o barulho interno, estou me afetando com o barulho externo.
O contraste que encontrei é que nos meses viajando eu passei por períodos de retiro em completo silêncio. Eram minutos, horas, dias e até semanas, tanto sozinha quanto em grupo, na meditação na comunidade que fiquei, na quietude do monastério que visitei, na natureza que diariamente contemplei, nos nasceres e pores do sol que acompanhei, no isolamento da colina onde me refugiei, no encontro do meu verdadeiro Ser.
Todos os ambientes que estive eram contemplativos e o silêncio, natural, mesmo com muitas pessoas, às vezes era apenas quebrado pelo canto, dos bhajans ou do Taize, que em essência, naquela ambiente, são meditação.
Meu professor espiritual tem feito uma orientação prática que ele chama de Um Compromisso com a Autodescoberta. É basicamente sentar e ficar em silêncio, não como em uma meditação exatamente, mas buscando o vazio, a natureza do nosso verdadeiro Ser, mesmo que as distrações mentais apareçam, o lembrete é voltar para aquele que lugar interno no qual a paz está. Ele propõe 5 a 30 minutos, isolados ou seguidos, mas sempre com a atenção para o estado de presença. Neste lugar, quando o acesso, me sinto completamente acolhida e é incrível pensar que está o tempo todo aqui.
Esse silêncio pode ser acessado ainda de outras formas, no movimento, como a dança, e até no som. Esta semana, participei de um workshop chamado Sound of The Soul (O Som da Alma), guiado por uma artista inglesa que gosto muito, a Ayla Schafer, e que tem um álbum chamado Silent Voices (Vozes Silenciosas). Foram cinco horas com dinâmicas direcionadas à jornada de descoberta dos sons, do silêncio e da música do nosso Ser interior.
Fechei minha boca e falei com você por centenas de maneiras silenciosas. (Rumi)
Lembrei lá de uma vivência que estive há três mesesde Sound Bath (Banho de Som), com sons medicinais, como o Gong. No final, o convite era emitir sons suaves com a própria voz, acompanhados de um instrumento chamado Shruti Box. Naquela experiência, me dei conta como nossa voz também pode vibrar em uma sintonia de paz para nós mesmos.
No show da Ayla Schafer, um dia depois do workshop, ela pediu para que após as músicas não houvesse palmas, mas silêncio, ou movimentos com as mãos para o ar. Faz todo sentido, porque esse tipo de música medicina, por ser curativa e nos guiar para o estado de silêncio interno, ao bater palmas ou assoviar alto, todo aquele campo energético que se formou, se dissolve. Talvez seja por isso que eu perceba meu afastamento de ambientes barulhentos, a vibração sonora na sintonia certa ajuda a manter meu estado de paz e assim ouvir meus chamados internos.
O silêncio é a melhor e mais potente Iniciação. (Ramana Maharshi)
Tem um outro barulho, que não é sonoro, mas pode perturbar muito a mente, que é o excesso de informação. É por isso que no fim do ano, já há uns sete anos, eu dou uma pausa nas redes sociais, especialmente Instagram, entre as festas de Natal e Ano Novo, e fico, pelo menos, 30 dias sem acessar. Esse silêncio informativo me ajuda nesse período que, para mim, é muito introspectivo, de avaliar o último ciclo e se preparar para o início de outro. Não que o tempo faça diferença, é só uma data, mas me sinto bem em silenciar as telas, na medida do possível, porque é também um ambiente frenético no qual convivemos hoje em dia, especialmente nessa época. Assim, sempre volto reenergizada. Recomendo.
E hoje, no Solstício de Verão, o dia mais longo do ano, que possamos nos integrar mais aos movimentos, sons e silêncios da natureza, lembrando que, no todo, somos apenas Um. Feliz novo ciclo!
Com amor,
Patricia ॐ