São Paulo, 21 de setembro de 2024.
Namastê!
As flores levadas por um vento gentil criaram um tapete branco na calçada. Caía uma chuva floral no meio de uma rua central da cidade. Ainda mais bucólico foi ser parte da cena. Não sei se os operários da obra do prédio em frente, os motoristas impacientes, as pessoas corridas no horário do almoço ou o segurança na portaria ali próxima pegaram esse glimpse, repararam nessa beleza momentânea. Tomara que sim. Como é bom ter olhos para o que é sutil.
Fazia algumas semanas que eu não saia de casa, mas naquele dia fui caminhando ao mercado. O porteiro do meu prédio até comentou: "ué, pensei que estava viajando". Escolhi passar os meses finais do inverno reclusa, quieta, mas o prenúncio da Primavera me chamou para fora. A árvore, não sei se um ipê ou um jacarandá, me deu as boas-vindas. As flores caíram, olhei para o céu, fechei os olhos e suspirei.
Amo como as árvores seguem seus ciclos a cada estação. Nessa época, elas começam a florir e, sempre que eu alcanço os galhos, colho flores para o meu altar, compensando a falta de um jardim ou de um bosque para caminhar e reverenciando a doação dessas nobres senhoras que me abraçam na rua.
De certa forma, penso que são como eu, talvez elas gostassem mais de estar em um campo com outras árvores, um gramado, beirando um rio, em uma colina verde ou uma floresta, mas estão lá, sobreviventes nas calçadas e, mesmo assim, no esplendor de sua vivacidade. As folhas caem, renascem, as flores vêm e assim vivem seus ciclos colorindo a paisagem, sombreando os dias quentes e purificando a respiração de quem está por perto, na medida do possível.
Existe uma sabedoria nas árvores, dizem que elas conversam pelas raízes, se conectam por uma rede debaixo da terra. Já tentou falar com elas?
Na Escócia, praticávamos a comunicação com as árvores. Se achar loucura, tudo bem, mas um dia tente falar com elas, elas respondem - mas não do jeito que os humanos falam. A Dorothy McLean, uma das fundadoras da comunidade de Findhorn, até escreveu um livro com O Chamado das Árvores.
Tem duas grandiosas no parque onde eu costumo ir, às vezes, vou visitá-las. Sento em suas raízes imensas e ficamos lá cochichando. Um dos meus passeios preferidos, o viveiro do parque, um refúgio, ali me sinto em casa. Como diz minha professora de dança circular: "Árvore sou, floresta somos".
Quando estou no campo, sigo um fluxo espontâneo de movimento em harmonia com a natureza. Na cidade, fico meio inerte. O poeta cantava: "disciplina é liberdade". Então, nesses meses de inverno isolada, busquei organizar rotinas que estavam confusas, paradas, afetando meu bem-estar.
Recorri à tecnologia e, com o aplicativo Duolingo, já estou há 52 dias ininterruptos fazendo aulas de italiano.
Apesar de já ter uma prática madura de meditação, senti que podia estruturar melhor, reativei o Insight Timer e já são 32 dias seguidos.
Fui assim, reinventando uma rotina de cada vez. Daí veio o momento de sair, 21 dias para o fim de setembro, instalei o Strava e estou há 12 dias cumprindo desafios diários de caminhada.
Longe da hostilidade da cidade, minha média passa dos 5 km diários andando, porque é muito natural sair e interagir com o ambiente. No cenário urbano, não é convidativo sair, mas estou com uma média de 4 km diários nas últimas duas semanas, o que é bom comparado aos dois últimos meses.
Hoje é o Dia da Árvore e amanhã é o equinócio da Primavera, o ritmo da natureza me chamou para sair e eu ouvi. Tem me feito muito bem!
Ao mesmo tempo em que a tecnologia me apoia na construção de uma disciplina, de um ritmo para atividades que são boas para dar qualidade de vida na cidade, o afastamento de algumas redes sociais me ajuda a focar naquilo que importa. Já são quase 60 dias com a conta pessoal do Instagram desativada. Minha meta era uma pausa até a chegada da Primavera, mas sinto que vou estender.
É muito inspirador como a natureza segue com disciplina seus ciclos sem distrações, só é triste ver a ação humana bagunçando esse sistema que sempre funcionou com perfeição. Creio, porém, que mesmo em meio ao fogo e às tempestades, as árvores vão dar seu jeito.
Alguém duvida do poder de regeneração da natureza? Quanto a nós, ou buscamos estabelecer ritmos que respeitem nossa natureza - interna e externa - ou… nem sei. Por agora, é sair para fora e olhar para o céu.
Feliz equinócio!
Com amor,
Patricia ॐ
Sentir a natureza aqui pelo seu relato foi ótimo, por aqui com uma criança presente na rotina ainda conseguimos ver a beleza nas pequenas coisas, espero que ela e eu nunca percamos esse olhar.
Me senti conectada com todas as árvores durante a leitura <3 Obrigada por me relembrar a beleza do que há no sutil. Fiquei feliz e inspirada com as rotinas. Gratidão